terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sem isto e sem aquilo

Quando te conheci, você despejou um olhar muito terno sobre mim, um olhar terno e triste, havia muita confusão naquela sua cabecinha de dezessete anos. Eu estava na varanda de um prédio no centro daquela cidade desconhecida por mim até então, aqueles rostos infantis me invadiam sem piedade. Havia uma garota que, todos diziam que era a mais bonita, quando eu a vi, entrei em choque: não passava de uma garota com uma cabeça enorme e uma mini-saia jeans. Aquele grande crânio parecia mais uma luminária esbanjando luz por todo o centro daquela cidade fracassada, chucra, entediada de bebês borrados de merda falando alguma coisa sobre um astro do rock do interior. Quem era aquele astro do rock provinciano, afinal?
Era você, lá embaixo, grandes olhos caidos, sua mãe estava te acompanhando. Senti pena daquela mulher. Ela parecia triste, vencida pelo tempo e pelo destino que lhe pregara uma peça.
Havia um grande pesar em seus ombros, cabelos desarrumados, boca silenciosa.
Lá de cima, olhava para você com muita curiosidade. Seu jeito era muito peculiar e não havia emoção nenhuma em seu rosto. Era totalmente vazio, um rosto caído e triste.
Desci as escadas ao seu encontro, a primeira impressão que causou-me foi de ser uma pessoa má. Tive medo. Medo de que você dissesse algo que me machucasse. Me ferisse. Preferi ficar em silêncio ao seu lado.
"Hoje eu não vou cheirar" - Certamente disse isso só para impressionar, aqueles seus olhos caídos confessavam isso sem que você pudesse perceber.

Hoje eu coleciono cartelas de remédios para transtornos mentais, para me proteger da solidão e das ansiedades banais de cada dia. Proteger-me do amor e do anti-amor. Coleciono as cartelas vazias, elas parecem com o que meu corpo é por dentro. As capsulas estão todas agora em alguma parte do meu ser, me fazendo chorar de novo, fazendo com que eu volte a te perder.
A casa toda está repleta de cartelas vazias, misturam-se com os brinquedos da minha sobrinha, com a merda do cachorro fedendo na cozinha. Eu acendo um cigarro e sento na sacada. É mais uma noite perfeita, você está escovando os dentes agora. Eu estou tentando esquecer de mim e conhecer alguém, alguém bom. Tudo isso tem muito a ver com você. O psiquiatra, os remédios, o diagnóstico, a doença, os rios que correm dentro de mim e desaguam borbulhando dentro da minha boca. Você é o ralo através do qual sou forçada a entrar, há alguma espécie de trauma em mim agora porque esse ralo está sempre entupido.